Dusreis Advocacia

30/01/2020

Como fica a previdência complementar com a reforma do sistema previdenciário

Provocado, STJ definiu que seja aplicado o regulamento vigente à época da aposentadoria e não na adesão ao contrato

Entidades e participantes de planos de previdência privada recorreram à Justiça em busca da definição se o valor do primeiro pagamento a ser recebido pelo segurado deve ter como base as regras do plano de benefícios vigente à época da adesão ou as vigentes quando dada entrada na aposentadoria.

O caso, cujo julgamento teve início no dia 28 de novembro de 2018, chegou a 2ª Seção ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e foi interrompido por pedido de vista do ministro Moura Ribeiro. De volta à pauta em fevereiro do ano passado, os ministros se reuniram para discutir se o cálculo do valor mensal inicial a ser recebido pelo beneficiário (ou o valor do primeiro pagamento a ser recebido pelo segurado), deveria ter como base as regras do plano de benefícios vigente à época da adesão ao contrato ou as regras válidas no momento em que o trabalhador reunisse as condições necessárias para se aposentar e então dar entrada no processo. O placar ficou em três votos a um, com a maioria dos ministros considerando que devem ser aplicadas as regras vigentes quando há a possibilidade de aposentadoria.

Como consta no Tema 907, os ministros firmaram a tese segundo a qual “o regulamento aplicável ao participante de plano fechado de previdência privada para fins de cálculo da renda mensal inicial do benefício complementar é aquele vigente no momento da implementação das condições de elegibilidade, haja vista a natureza civil e estatutária, e não o da data da adesão, assegurado o direito acumulado”.

Lembrando que o tema é julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o que significa que o entendimento do STJ deverá ser seguido pelas instâncias inferiores no julgamento de casos semelhantes.

Entenda o caso que originou a ação

No caso que serviu como paradigma para discutir a matéria, o Recurso Especial 1435837/RS, a Fundação Banrisul de Seguridade Social recorria de decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que aplicou o regulamento vigente à época da adesão para calcular o benefício complementar de um participante.

A ação foi originada na solicitação de complementação de benefício ajuizada por aposentado contra entidade de previdência privada com a qual tinha contratado plano 35 anos antes. Nela, o beneficiário pedia a recuperação dos descontos do fator previdenciário (incluído na legislação posteriormente à contratação), sob o argumento de que deveriam incidir as normas estatutárias da época da adesão.

Decisão

O ministro Villas Bôas Cueva, cujo voto prevaleceu no julgamento, explicou que a relação jurídica estabelecida entre o participante e a entidade fechada de previdência privada é de índole civil e estatutária, e não trabalhista, “não se confundindo, portanto, com a relação formada entre o empregador (patrocinador) e o empregado (participante)”.

O ministro destacou que pelo previsto na Lei 6.435/1977 (artigos 34, parágrafo 1°, e 42, IV), na Lei Complementar 108/2001 (artigos 4º e 6 º) e na Lei Complementar 109/2001 (dos artigos 17º ao 22º), sempre foi permitido à entidade fechada de previdência privada alterar os regulamentos dos planos de custeio e de benefícios como forma de manter o equilíbrio atuarial das reservas e cumprir os compromissos assumidos diante de novas realidades econômicas e de mercado surgidas ao longo do tempo. “É por esse motivo que, periodicamente, há adaptações e revisões dos planos de benefícios, incidindo as modificações a todos os participantes do fundo de pensão, após a devida aprovação pelos órgãos competentes (regulador e fiscalizador), observado o direito acumulado de cada aderente previsto no artigo 15, parágrafo único, da Lei Complementar 109/2001”, afirmou Villas Bôas Cueva.

O voto-vista do ministro divergiu do relator, magistrado Paulo de Tarso Sanseverino, e ainda salientou durante o julgamento que todos os precedentes das turmas de Direito Privado do STJ são na linha de seu voto. “Não podemos em [recurso] repetitivo dar uma guinada de 180 graus”, afirmou, fazendo referência ao fato de o relator entender que o regulamento aplicável para fins de cálculo da renda mensal inicial de complementação é aquele que não altera o benefício contratado pelas partes inicialmente.

Já o voto do relator ministro Sanseverino afirmou que não havia um único precedente nas duas turmas de direito privado que tenha tido uma decisão sob essa ótica. Seguido no julgamento pelos ministros Luís Felipe Salomão e Marco Aurélio Bellizze, declarou que “a inovação no entendimento quebraria a tradição da 2ª Seção de só trazer como repetitivo questões já sedimentadas na jurisprudência das turmas”.

Na decisão, o ministro Villas Bôas Cueva enfatizou que não havia a possibilidade de aventar um direito adquirido. “…, mas em mera expectativa de direito do participante, à aplicação das regras de concessão da aposentadoria suplementar quando de sua admissão ao plano, sendo apenas assegurada a incidência das disposições regulamentares vigentes na data em que cumprir todos os requisitos exigidos para a obtenção do benefício, tornando-o elegível. Esse entendimento está positivado nos artigos 17, parágrafo único, e 68, parágrafo 1°, da Lei Complementar 109/2001”, disse.

Configuração do direito acumulado

            O ministro relator ainda citou as lições de Arnoldo Wald (colaborador do Supremo Tribunal Federal e advogado fundador do escritório Wald Associados Advogados), sobre a configuração do direito adquirido no sistema de previdência complementar, onde o participante “somente possuirá direito adquirido a regime regulamentar de cálculo de renda mensal inicial de benefício suplementar quando preencher os requisitos necessários à sua percepção, devendo ser ressalvado, entretanto, o direito acumulado, que, na previdência privada, possui sentido estritamente financeiro: reservas constituídas pelo participante ou reserva matemática, o que for mais favorável a ele”.

Em seu voto, o ministro citou precedentes das turmas de direito privado do STJ no sentido de que, “para fins de cálculo da renda mensal inicial da suplementação de aposentadoria, devem ser aplicadas as normas do regulamento em vigor na ocasião em que o participante implementou todas as condições de elegibilidade do benefício, ou seja, em que adquiriu o direito, sendo descabida a pretensão revisional para fazer incidir fórmula não mais vigente, prevista em regulamento da época da adesão ao plano, quando o que reinava era apenas a mera expectativa de direito”.

Para o ministro Villas Bôas Cueva ficou claro que não há ilegalidade no ato da entidade de previdência privada que calcula a renda mensal inicial da suplementação de aposentadoria do participante segundo o regulamento em vigor na ocasião em que o benefício se tornou elegível, “… até porque segue o custeio e o montante da reserva garantidora até então formada”, afirmou o ministro.

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